quarta-feira, 9 de abril de 2014

PETRÓLEO NA GUINÉ-BISSAU

Introdução
O Progresso Nacional orgulha-se de apresentar mais um artigo de fundo, de jornalismo de investigação, sobre os nossos recursos naturais: depois dos fosfatos de Farim, abordamos agora o assunto do petróleo. Recorde-se que foi o Progresso Nacional que chamou a atenção para o relatório técnico 
que haveria de dar aso a várias notícias, uns dias depois, no princípio deste 
ano, na comunicação social portuguesa e guineense.


Há que saber aproveitar os bons exemplos na defesa dos interesses dos países e dos povos: estamos a pensar no caso de Timor, que pretende impugnar os termos desiguais de um acordo bi-lateral de partilha de recursos minerais com a Austrália, por sonegação da informação. Mais do que nunca é preciso estarmos atentos e perceber que a informação é vital para a tomada de decisões que possam beneficiar o Progresso Nacional.


Começaremos pela questão da disputa territorial que se seguiu à Independência nacional, relativamente à delimitação das fronteiras marítimas, cujo último passo foi a Lei de Fixação dos Limites das Zonas Marítimas do país, aprovada pela Assembleia Nacional Popular, no passado dia 9 de Dezembro de 2013. Apresentaremos um breve resumo, realçando o papel da Agência de Gestão e Cooperação na integração sub-regional.


Efectivamente, a AGC é uma entidade transnacional criada procurando solução para o diferendo territorial com o Senegal e dedicada a gerir uma zona económica comum, definida a Norte pelo azimute 268 e a Sul pelo 220, tomando o Cabo Roxo por ponto de rotação. Sedeada em Dakar, é dirigida por um guineense, o engenheiro Júlio Baldé, distribuindo 50/50% nas pescas e 15/85% nos minerais, a favor do Senegal.


O Senegal, cuja capital é iluminada graças a uma captação de gás, mas que continua fortemente deficitário energeticamente, manteve fortes expectativas relativamente à descoberta de petróleo comercial na sua fronteira Sul, mas teve nos últimos anos resultados decepcionantes no próximo offshore. Frustrante: quase duas décadas de prospecção e tanto dinheiro 
gasto acabar por dar apenas em furos selados e abandonados.


Relatórios apontam agora mais para Sul, onde se sabem existir pelo menos cerca de trinta depósitos de grande dimensão que são como armadilhas para petróleo. Tem sido como que um jogo do gato e do rato. Prospecções goradas, que passados uns anos se descobre baseadas em dados pouco consistentes, empresas que compram licenças, outras desistem, vendem participações, fundem ou abrem falência. Muita especulação.


O processo de captação e de tratamento da informação, por várias técnicas, também evoluiu bastante. Apresentamos o trabalho da Dolphin (golfinho), empresa norueguesa em forte crescimento dedicando-se à cartografia multi-sensorial dos fundos marinhos e que tem em curso um projecto multi-cliente abrangendo toda a faixa costeira da África Ocidental, da Mauritânia a Conacri, que dotará a indústria de informação relevante. Em paralelo,
foi feito o anúncio, no passado dia 12 de Março, do lançamento de um mapeamento do offshore da Guiné-Bissau, graças a um contrato entre as novas empresas do ramo da prospecção sísmica, a MGGS bv e a Geopartners Ltd.


Estes projectos disponibilizarão um conjunto de dados cobrindo de forma sistemática todo o offshore da Guiné-Bissau (e em especial o da zona de exploração comum com o Senegal), cujo cruzamento com outras tecnologias (como a da aquisição de informação por satétile) é um valiosíssimo contributo para a tomada de decisões de probabilidade de prospecção, sendo legítimo supor que representa um avanço de décadas (ao ritmo a que se estavam a processar) para o arranque da exploração económica.


Entretanto,a «competição» por África envolve não apenas a já tradicional França, que aspira a manter a sua afirmação de potência, mas também os Estados Unidos (que reconhecem em recentes relatórios oficiais, o seu interesse no emergente petróleo oeste-africano), a China, com uma actuação de mãos largas no tocante a obras públicas e «pouco exigente» em matéria de regime, e os russos, interessados em recuperar o antigo prestígio.


O enorme salto que a informação geofísica a disponibilizar representa é um grande desafio para a Guiné-Bissau e a Petroguin, no sentido de sistematizar essa informação e de criar uma massa crítica nacional de decisão, garantindo o interesse do país nas negociações dos termos das concessões. Este é um desafio para o novo Governo, legitimado pelas urnas, no sentido da TRANSPARÊNCIA, perante o povo, quanto aos processos, e contrapartidas envolvidas, evitando assim apropriações indevidas, de forma a colocar esses fundos ao serviço do desenvolvimento.


Contexto histórico
A Guiné-Bissau é um caso bastante original em África. A primeira razão é por Portugal ter aproveitado a oportunidade da Conferência de Berlim de 1886, para assinar com a França uma convenção: em troca do reconhecimento do Mapa Cor-de-Rosa e de efémeros direitos à faixa da África austral que liga a costa de Angola à costa de Moçambique, Portugal cedia à França, a Norte, a região de Casamansa; contra Cacine, pequena compensação a Sul.


As potências colonizadoras estavam, na altura, apenas interessadas na definição dos limites da terra firme (incluindo, claro, as ilhas), pois o mar era considerado livre, sendo a noção de mar territorial limitado ao alcance de um canhão. No entanto, com o aparecimento da exploração de petróleo offshore, o caso mudou de figura, e a Guiné-Bissau apresenta também a originalidade de ter tido a primeira fronteira marítima (para além do mar territorial) em toda a África.


O caso aconteceu em 1958, com a sobreposição de licenças de prospecção de petróleo, na mesma zona, concedidas à Exxon, por parte de Portugal e à Total, pela França. O inevitável litígio veio a dar origem a um acordo luso-francês (efectuado por troca de notas diplomáticas), a 26 de Abril de 1960, tomando por referência o farol de Cabo Roxo e estabelecendo por limite um azimute de 240 graus, que se pretendia adaptado «à configuração» do país.


O azimute 240 (em 360), se substituirmos a bússola por um relógio com a mesma orientação (o meia-dia indicando o Norte) traduz-se pelas 8 horas, ou dois terços se estivermos a falar de um bolo, grosso modo a orientação dos rios da região. Embora a França, por essa altura, já não pudesse decidir da fronteira Sul, pois a Guiné Conacri havia declarado independência precoce, parece óbvio que o entendimento de Portugal se referia a ambas as fronteiras. 


Em todo o Norte de África, a delimitação das fronteiras marítimas correspondem a simples paralelos: seguindo aproximadamente o azimute 270; perpendiculares e aproximadamente fiéis a uma linha de costa Norte-Sul. No entanto, precisamente por altura da Guiné-Bissau, a costa começa a definir o Golfo e a «barriga» de África: esta repartição beneficiou claramente o Senegal, em 30º (ou 1 hora), pois a sua costa Sul corre toda de Norte.


Efectivamente, só a partir de Cabo Roxo, a costa inflecte para Leste. O argumento da «configuração» do país é falacioso, pois o que podemos realmente ver, é um cone, com
rios abrindo-se ao mar em delta. A pequena faixa de Casamansa ficava assim com uma 
abertura para o mar desproporcionada, com muito maior amplitude do que os restantes
segmentos de costa, e isso à custa daquela que viria a ser a Guiné-Bissau.


Parece difícil acreditar que o Presidente do Conselho, Salazar, tenha consentido num 
acordo tão desfavorável (sobretudo porque aplicável apenas à fronteira Norte), efectuado
por simples troca de notas. Isso permite suspeitar que em 1960, tal como em 1886, 
estivessem uma vez mais em causa, nessa balança diplomática, entre Portugal e a França
outros interesses, a uma escala global, que não apenas aqueles confinados à Guiné «portuguesa».


A Guiné-Conacri, como Estado independente, reclamou, por Decreto oficial de Junho de 1964, 
o paralelo 10º 56’ 42’’ N como limite da sua fronteira marítima com a Guiné-Bissau. As fronteiras marítimas da então Guiné-Portuguesa, ficavam assim comprimidas entre as linhas vermelhas de um acordo colonial tardio (note-se que a Independência do Senegal ocorrera três semanas antes) 
e um novo país independente: as suas águas afunilavam bem antes das 200 milhas!


Mais tarde, os vizinhos do Sul viriam a invocar a concessão de licenças e o patrulhamento dessa zona por barcos de guerra, sem oposição por parte de Portugal. Por seu lado, por Decreto-Lei de 27 de Junho de 1967, publicado em Diário da República, Portugal fazia concessões petrolíferas e invocava exclusividade em termos de jurisdição de pescas para Sul do paralelo definido por Conacri, igualmente sem que fossem registados protestos.


Em 1970, o decreto da Guiné-Conacri é publicado pelas Nações Unidas, enquanto na Marinha portuguesa circulavam acusações de violação do mar territorial e da zona contígua. Refira-se que, após o lançamento da luta armada pelo PAIGC, este Partido contava com o apoio do Presidente Sekou Tourê, tendo constituído bases de rectaguarda de apoio à guerrilha no seu território. Nesse ano, os portugueses efectuaram um raid militar sobre Conacri.


O facto é que as companhias petrolíferas, face ao litígio e à incerteza de ter que pagar a dois países, desistiram dos seus intentos iniciais. A simples ideia de que os direitos a adquirir possam estar, ou vir a estar, em litígio, é suficiente para afastar os mais sérios dos potenciais investidores: quem tem de fazer aplicações financeiras a longo prazo, gosta de ter garantias sólidas de estabilidade, de perceber o «risco político» como mínimo.


Disputas territoriais
Com a declaração de Independência, a Lei nº1 fez tábua rasa de todas as disposições das leis portuguesas, e em 1975 já o Estado guineense tinha revogado todas as concessões petrolíferas feitas por Portugal. Também em relação à sua fronteira marítima, a Guiné-Bissau pretendia «começar de novo» e basear-se no princípio da equidistância, que seria bastante mais natural e equitativo, bem como internacionalmente aceite.


No entanto, o Direito Internacional e os princípios defendidos pela OUA, defendiam a intangibilidade das fronteiras. E o Senegal confrontou os guineenses com a existência desse acordo colonial, que lhe era favorável, mostrando-se irredutível quanto ao seu cumprimento integral. Em 1977 eram encetadas negociações, para delimitação das fronteiras marítimas, num espírito amigável; no entanto, o impasse acabou por durar anos.


Em 1985, para sair desse impasse, foi resolvido entre ambos os países submeter a disputa a um tribunal arbitral internacional. Formularam-se duas perguntas: se o acordo luso-francês de 1960 era válido e deveria ser respeitado; em caso negativo, qual deveria ser a linha de fronteira. Já em 1989, o tribunal, constituído por três juízes, deliberou afirmativamente, por maioria, em relação à primeira questão, furtando-se assim a responder à segunda.


No entanto, o Presidente, que votou com a maioria, fez uma declaração de que essa decisão, 
não se aplicava à zona económica exclusiva, conceito ainda não desenvolvido ao tempo do acordo de 1960; além disso, o juiz Bedjaoui, que votou vencido, declarou que a decisão do tribunal não era vinculativa, propondo desenhar uma linha pela Lei aplicável no Direito Internacional, tendo boicotado a leitura da sentença pelo tribunal. Ver fonte.


A decisão do Tribunal arbitral foi imediatamente contestada pelo governo guineense, que se recusou a dela tomar conhecimento, dando início a procedimentos junto do Tribunal Internacional de Justiça contra o Senegal. Entretanto, no início de 1990, ocorrem vários incidentes na área em disputa, com barcos de pesca de países terceiros portadores de licenças de pesca da Guiné-Bissau a serem arrestados pela Marinha senegalesa.


A Guiné-Bissau interpelou então o Tribunal com uma série de alegações que, do seu ponto de vista, retiravam validade à deliberação do Tribunal arbitral, as quais foram todas indeferidas. Sem outra saída, em 1991 a Guiné-Bissau volta a interpor uma acção, pedindo ao mesmo Tribunal que, atendendo aos elementos do caso, fixasse a linha de fronteira. Em Janeiro de 1992, no entanto, encetam-se negociações entre as partes, com o mesmo fim.


As negociações acabam por tomar um rumo diferente do esperado, acabando por se centrar na possibilidade de uma zona de exploração conjunta (seria interessante para a história saber de quem partiu a proposta). Em Março de 1994, as partes submetem ao Tribunal Internacional de Justiça o texto de um acordo assinado em Outubro de 1993 em Dakar, no qual se predispunham a resolver o litígio pela criação de uma zona de exploração comum.




Em 1995 dão entrada no tribunal os documentos ratificando esse acordo, manifestando a intenção de descontinuar a acção interposta pela Guiné-Bissau contra o Senegal, tendo o Tribunal arquivado o caso a 8 de Novembro desse ano. A 12 de Junho desse ano, ficara estabelecido o texto do acordo cujo instrumento jurídico, constituindo uma Agência de Gestão da Cooperação, viria a ser rubricado a 16 de Julho do ano seguinte.


A Agência de Gestão e Cooperação ficava, por um prazo de vinte anos (que vencerá a 16 de Julho de 2016), encarregue da gestão da zona de exploração comum, teria sede em Dakar mas seria presidida por um guineense formado na área dos petróleos, vindo a ser escolhido para o lugar o engenheiro Júlio Baldé, a quem agradecemos a grande ajuda que prestou a esta reportagem, traduzida no envio de informações, opiniões e documentos.


Outro documento importante, sobre este assunto, é o artigo publicado nas páginas 2 e 3 do nº2 do orgão de divulgação da Faculdade de Direito de Bissau, Letras Direitas, de Dezembro de 2008, de Mestre Adulai Jabulá, regente das disciplinas de Direito do Urbanismo, do Ordenamento do Território e do Ambiente, e de Direito do Mar, actualmente consultor no Ministério das Pescas, igualmente merecedor de créditos neste artigo.


A zona de exploração económica comum constituía-se com cedências de ambas as partes: baseados no ponto de rotação do Cabo Roxo, a Guiné-Bissau disponibilizava 20º para Sul, definido pelo azimute 220º a partir desse ponto; o Senegal cedia 28º para Norte. Nas negociações, o Senegal tentou, sem sucesso, excluir as suas águas de proximidade, correspondentes ao actual bloco Dome Fiore, dessa zona comum.


Nessebloco haviam, por essa altura, sido feitas descobertas encorajadoras. O Senegal investira importantes quantias em prospecção na área, tendo sido por isso aceite o princípio de que a repartição de eventuais proveitos futuros seria feita, na área do petróleo, a seu favor, fixando-se as respectivas quotas parte em 85% para o Senegal e 15% para a Guiné-Bissau, sem prejuízo da possibilidade de renegociação em caso de alterações substanciais.


Em termos de Direito aplicável, distinguiu-se o petróleo, no qual se aplica a Lei senegalesa, das Pescas, na qual se aplica a Lei guineense. No caso das pescas, a distribuição dos rendimentos é efectuada de forma equitativa, com 50% para cada uma das partes. Note-se que a riqueza da importante bio-massa (com forte capacidade de regeneração) de toda a zona, tem essencialmente origem nos rios da Guiné-Bissau.


São bem notórias duas particularidades da Guiné-Bissau, quando lhe fazemos uma aproximação recorrendo ao Google Earth. Uma delas é a mancha azul clara, única no mundo, que corre, de forma muito característica, dos seus estuários; e outra (provavelmente relacionada, por sedimentação), é a grande dimensão, à escala africana, da sua plataforma continental, visível graças ao mapeamento dos fundos marinhos.


No mapa que apresentamos, encontra-se representada, no perímetro a verde, a zona económica senegalesa correspondente à fachada marítima de Casamansa, a vermelho a zona económica da Guiné-Bissau. A amarelo (sobrepondo-se por partilha, às outras duas), está representada a zona económica de exploração comum, a nova entidade proto-estatal de cooperação, de cuja gestão está encarregue outra entidade, a Empresa (l’entreprise), estreitamente dependente desta. 

Segundo o texto do acordo, «desde a sua constituição, a agência sucederá à Guiné-Bissau e ao Senegal nos direitos e obrigações...» (artigo 5º) e «as partes colocam em comum o exercício dos respectivos direitos, sem prejuízo de títulos jurídicos anteriormente adquiridos e pretensões antes formuladas...» (artigo 6º) ... em construção...